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Rezam as sondagens em Israel que depois do cessar-fogo estabelecido em Gaza sob mediação do Egito a popularidade da coligação de direita e extrema direita chefiada pelo atual primeiro ministro, Benjamin Netanyahu, caiu alguns pontos. Não é aconselhável pôr as mãos no fogo por registos deste tipo, mas há que estar atento: se a tendência for verdadeira não tardará que a população do território volte a sofrer as consequências dos jogos político-militares na cadeia de comando do regime israelita.
 
Netanyahu disponibilizou-se para a trégua porque a seguir ao terror levado à pequena faixa por via aérea seguir-se-ia a invasão terrestre, coisa mais complicada porque provavelmente haveria bastantes mortos do lado israelita, os suficientes para perturbarem uma campanha eleitoral sendo que a pretendida “limpeza” poderia não estar ainda completa quando chegasse a hora da ida às urnas.


 
Sondagens à parte, há reconhecidamente em torno do establishment israelita pressões muito fortes para que o primeiro ministro “acabe o trabalho” que, segundo essas opiniões, deixou “a meio”. A voz que falou mais alto neste cenário foi a do major na reserva Gilad Sharon, a demonstração de que quem sai aos seus não degenera pois é filho de Ariel Sharon – o homem que juntamente com o actual chefe do governo liquidou o processo de paz com os palestinianos lançado pelo antecessor de ambos, Isaac Rabin, além de ter sido protagonista dos mais negros crimes contra a humanidade no Médio Oriente durante as últimas décadas.
 
Ariel Sharon, vítima de doença irreversível, está incapacitado. O filho mais novo não. O diário Jerusalem Post, porta voz oficioso, em inglês, da direita e extrema direita no poder, abriu-lhe as suas colunas para ele se pronunciar sobre Gaza e o que é preciso fazer para resolver de vez o problema. E Gilad Sharon teve pelo menos o mérito de escrever com franqueza o que outros das suas áreas (apesar de ele se dizer do partido “centrista” Kadima) pensam. Defendeu que a saída é uma de duas: ou “esmagar” Gaza ou voltar a ocupar o território. Para “esmagar”, Gilad Sharon entende que não há que ter contemplações com os civis – “eles escolheram livremente o Hamas e têm que sofrer as consequências” – e há que chegar a uma situação em que “não pode haver eletricidade, nem combustíveis, um veículo em movimento” no território. Começar com bombardeamentos fortes não chega, insiste o articulista, é preciso acabar o que se começou “e decisivamente”.
 
Realidade ou ficção, tendo em conta as circunstâncias em que se encontra o general Sharon, o filho Gilad diz que comunica com ele através de gestos e olhares. A mensagem é óbvia: ele não faz mais do que sugerir o que, segundo pretende fazer crer, o pai faria.
 
Para acabar “decisivamente” e “depressa” a obra começada por Netanyahu em Gaza “tem que se fazer com estrondo, não com murmúrios”, escreve Gilad Sharon. A solução final? Ei-la: “não há justificação para que o Estado de Gaza possa disparar impunemente contra as nossas cidades”; é preciso “esmagar Gaza por inteiro” e, exemplifica, “os americanos não pararam em Hiroxima – os japoneses não se renderam suficientemente depressa – por isso atingiram também Nagasaki”.
 
A partir de uma declaração como esta pode o leitor deduzir o que entender, sabendo-se ainda que Israel é o único Estado no Médio Oriente que possui armas atómicas e ao mesmo tempo se desdobra em intrigas, provocações e ameaças para manter essa determinante vantagem estratégica.
 
Dir-se-á que Gilad Sharon se representa a si próprio; que o Jerusalem Post se distanciou do conteúdo do texto em nota de rodapé. Pois sim, mas não estamos perante o desabafo trauliteiro de um Zé ninguém; ignorar o peso do nome e da família Sharon na sociedade israelita e a tribuna que lhe é concedida seria o cúmulo da ingenuidade.
 
José Goulão
Jornalista e membro da Presidência do CPPC