O movimento pela paz português teve na exigência da abolição das armas nucleares e do desarmamento geral, simultâneo e controlado, uma das suas causas fundadoras e um constante factor de mobilização. Recordemos de entre as múltiplas e diversificadas acções realizadas, a recolha de assinaturas para o Apelo de Estocolmo, no início dos anos 50; a participação empenhada na Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa, em Helsínquia, na década de 70; ou as grandes marchas da paz, nos anos 80. O Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) e os movimentos em prol da paz que o antecederam estiveram na primeira linha desta causa fundamental para a paz e a segurança internacionais, para a sobrevivência da Humanidade.

Consequentemente, é com grande preocupação que o CPPC observa a evolução da situação na Península da Coreia, com as suas consequências imprevisíveis, reafirmando a sua posição pela abolição de todas as armas nucleares e de rejeição da sua proliferação. O CPPC considera que só há uma solução para o conflito na Península da Coreia – que, recorde-se, se arrasta desde o período imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial –, a sua solução pacífica. Só esta é do interesse do povo coreano e a única que serve a causa da paz na região e no mundo.

Para alcançar este objectivo, o CPPC considera que se impõem urgentes medidas que promovam a diminuição da tensão e o desanuviamento na Península da Coreia e na região Ásia/Pacífico, que permitam o advento de um clima de confiança que abra caminho ao diálogo e a negociações que tenham como objectivo a reunificação pacífica da Coreia e o assegurar do direito do povo coreano à paz, à soberania, à independência. O caminho para a paz passa por uma Península da Coreia liberta de quaisquer pressões, ingerências ou presença militar externa e livre da ameaça nuclear.

A escalada do conflito na Península da Coreia, nas suas múltiplas expressões (militar, económica ou verbal), serve os interesses daqueles que, como os EUA, o pretendem usar como pretexto para o incremento da sua acção belicista, de corrida (e venda) de armamentos, de militarização das relações internacionais, de ingerência, agressão e guerra contra Estados soberanos, com vista à imposição do seu domínio económico e político hegemónico – seja na região Ásia-Pacifico, seja ao nível mundial – acção belicista que encerra o perigo de um confronto de grandes proporções e dramáticas consequências.

A solução pacífica do conflito na Península da Coreia passa igualmente pela rejeição de uma visão que nos procura impor um único ponto de vista, o de responsabilizar a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) – e, por conseguinte, desresponsabilizar os Estados Unidos da América (EUA) – pela eclosão, continuação e agravamento do conflito.

Se o desenvolvimento de armas nucleares pela RPDC é contrário à não-proliferação deste tipo de armamento, se declarações de responsáveis da RPDC não contribuem para a necessária clarificação da situação e são contraditórias com a necessária criação de um clima de distensão, tal não justifica que premeditadamente se ignore a história e a globalidade dos aspectos que ajudam a compreender e a caracterizar a actual situação naquela sensível região do mundo, incluindo a guerra e a constante ingerência, presença militar e ameaças protagonizadas pelos EUA contra aquele país – de que as recentes declarações de Donald Trump nas Nações Unidas, onde ameaçou «destruir totalmente a Coreia do Norte», são o mais recente exemplo.

De facto, não é possível compreender os actuais desenvolvimentos na situação da Península da Coreia se não se tiver presente que os EUA promoveram e desencadearam uma guerra brutal na Coreia entre 1950 e 1953, que provocou milhões de mortos e uma imensa destruição, e que, concluido um armisticio em 1953, passaram 64 anos sem que tenham dado passos para assinar um acordo de paz; que desde então os EUA construíram um muro de separação na Península da Coreia, dividindo-a em duas, tendo estacionados poderosos contingentes militares na República da Coreia (Sul) e realizado regulares e provocatórios exercícios militares junto às fronteiras da RPDC; ou ainda que, ao longo dos últimos anos, os EUA têm vindo a promover o isolamento, sanções, ameaças e planos de ataque militar contra a RPDC, tendo-a incluído no famigerado Eixo do Mal – lista de países onde constam igualmente o Iraque e a Líbia, entretanto destruídos pela agressão dos EUA e seus aliados, incluindo da NATO.

É também importante ter presente que os EUA consideram a Ásia-Pacífico como uma região prioritária, onde têm vindo a incrementar a sua presença militar, de que é exemplo a recente instalação do sistema antí-missíl THAAD, nomeadamente na Península da Coreia, tendo em vista a China e a Federação Russa. Também o Japão, com o qual os EUA têm um tratado militar e onde estão instaladas importantes bases militares norte-americanas, tem vindo a promover e a afirmar um crescente militarismo.

De igual forma, para a compreensão do que realmente está em causa na Península da Coreia é necessário considerar toda a problemática ligada às armas nucleares e à exigência da sua não-proliferação, redução e total desmantelamento a nível mundial.

Segundo a Federação de Cientistas Americanos, citada pela International Campaign to Abolish Nuclear Weapons (www.icanw.org), há cerca de 15 mil ogivas nucleares no mundo. Os EUA possuem 6800 ogivas nucleares, que se encontram dispersas em múltiplas bases militares – incluindo na Bélgica, na Alemanha, em Itália, na Holanda e na Turquia –, esquadras navais e submarinos. A RPDC terá menos de uma dezena destas ogivas.

Recorde-se que os EUA foram o primeiro país a desenvolver este tipo de armamento e o único até hoje a tê-lo utilizado, lançando o horror do holocausto nuclear sobre as populações das cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui, em Agosto de 1945. Mas não é tudo: actualmente, os EUA gastam mais com o seu arsenal nuclear do que todos as restantes oito potências nucleares juntas (França, Reino Unido, China, Rússia, Índia, Israel, Paquistão e RPDC) – recentemente, a Administração norte-americana decidiu investir mais de um bilião de dólares no chamado «programa de revitalização atómica», destinado ao desenvolvimento de armas nucleares mais modernas e difíceis de detectar.

Recorde-se ainda e no que respeita aos gastos militares em geral, o Instituto Internacional de Estocolmo de Investigação sobre a Paz/SIPRI (www.sipri.org) revela que actualmente os EUA são responsáveis por cerca de 40% do total das despesas militares a nível mundial, e que juntamente com os membros da NATO e outros países seus aliados, como Israel, Arábia Saudita, Japão ou Colômbia, esta percentagem aumenta para perto de 66%.

É também relevante ter presente que o conceito estratégico dos EUA, que a NATO acompanha, admite o uso da arma nuclear num primeiro ataque, dito “preventivo”. E que o sistema anti-míssil que os EUA estão a instalar no Leste da Europa e na Ásia – incluindo na Península da Coreia – se insere na tentativa de evitar a consequente retaliação de um país terceiro face a um primeiro ataque nuclear dos EUA, assegurando assim o monopólio de facto da capacidade de uso deste tipo de armamento, o que provocará um grave desequilíbrio de forças à escala mundial e levará à mais que certa intensificação da corrida aos armamentos.

Por outro lado, a Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação, de 2015, resultou noutro insucesso, não adoptando um documento final devido à oposição dos EUA, Reino Unido e Canadá. Estes países seguiram a posição de Israel, país detentor da arma nuclear, que se opôs à convocação de uma conferência sobre o Médio Oriente como zona livre de armas nucleares e outras armas de destruição em massa.

Recorde-se que o próprio Tratado de Não-Proliferação (TNP) para além de procurar prevenir a proliferação das armas nucleares, prevê igualmente a promoção da cooperação internacional no desenvolvimento da utilização da energia nuclear para fins pacíficos e o objectivo da eliminação das armas nucleares. O Artigo VI estipula que todos os Estados signatários se obrigam a negociar «de boa-fé» medidas efectivas conducentes «em data próxima» ao fim da corrida às armas nucleares e ao desarmamento nuclear e a um tratado de «desarmamento geral e completo» sob «controlo internacional estrito e efectivo». Recorde-se que o Tratado foi negociado em 1968 e que, deste então, este objectivo central continua por cumprir.

Neste sentido, o CPPC saudou a adopção, a 7 de Julho passado, do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares, pela Conferência das Nações Unidas para a negociação de um instrumento juridicamente vinculativo para a proibição deste tipo de armamento, que conduza à sua total eliminação. O CPPC considera que esta iniciativa vai ao encontro da aspiração dos povos, da intervenção do movimento mundial da paz, bem como dos esforços governamentais de diversos Estados, à existência de um mundo livre da ameaça nuclear.

Assume grande gravidade a anunciada retirada dos EUA do acordo estabelecido em 2015 entre este país, a Federação Russa, a China, a França, o Reino Unido, a Alemanha (e a União Europeia) e o Irão, relativamente ao programa nuclear iraniano para fins pacíficos. Aliás é uma clara contradição por parte da Administração norte-americana proclamar a não-proliferação nuclear face à RPDC e ao mesmo tempo brandir a ameaça da sua retirada do acordo com o Irão.

Pugnando pela abolição de todas as armas nucleares e pela sua não-proliferação, rejeitando a instalação do sistema anti-míssil dos EUA à escala global, defendendo os princípios da Carta das Nações Unidas em defesa da paz, da soberania dos estados e da igualdade de direitos dos povos, o CPPC apela à expressão da defesa da paz e à necessária procura de uma solução negociada do conflito na Península da Coreia que finalmente abra caminho a uma Coreia unida e pacífica, concretizando uma profunda e antiga aspiração do seu povo.

Os povos, com a sua vontade e mobilização, têm uma palavra a dizer pela Paz – em sua defesa, todos não somos demais!

Outubro de 2017
A Direcção Nacional do CPPC